19/04/2010

O lado negro

Por Jaqueline Bueno

Hoje eu acordei com uma vontade danada de voltar para casa. Na verdade, dormi pensando nisso. Quase sessenta mulheres dividindo o mesmo espaço. As camas estão enfileiradas, de frente umas com as outras, as luzes estão enfileiradas, as vidas também. Este é um dos motivos que me faz querer sair correndo daqui.

Estou experimentando uma cegueira que atinge o íntimo, tateia a individualidade e procura o que antes era real. A sensação é de estar num outro país, com uma cultura completamente distinta. A língua é a mesma, mas a linguagem é completamente diferente. Isso se chama Brasil, como os soldados gritam por aqui e completam: “Acima de tudo”.



Neste espaço as crenças e os valores se cruzam e se confundem. E assim como as camas, as luzes e as pessoas, comecei a pôr em fila também as minhas vontades e refleti sobre as minhas atitudes.


Estou há duas noites dormindo em um beliche, numa cama em cima de uma companheira de viagem. A garota estuda na mesma faculdade onde conclui minha graduação, nunca nos encontramos e agora precisei ensiná-la o valor de um simples ‘’por favor” ou “obrigado”. Esses ensinamentos eu trago de casa, o lugar para onde quero muito voltar; ela os levará para lá.

Momentos estranhos e inesquecíveis estou passando num quartel onde se é acordado às 5h50 com tiros e bombas na janela e com as notas musicais dos instrumentos dos soldados. Coisas raras, como todas as pessoas nesse metro quadrado repleto de cores branca, verde e marrom.

Se já valorizava a minha vida ao lado das pessoas que amo, como minha família, meus amigos e o povo da minha terra, agora passei a adorá-las, honrá-las e a agradecê-las por serem como eu e por me ensinarem a respeitar as diferenças, sem importar a situação.

Apesar de tudo, nesse momento deitada em uma cama que não é minha, com um travesseiro que não é meu e com pessoas que não me pertencem, acredito ainda mais na força de cada um, acredito no ser humano.


*O texto foi escrito durante a viagem do Projeto Rondon que aconteceu de 22 de janeiro a 08 de fevereiro de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário