19/04/2010

Nós fazemos a verdade todos os dias

Por Jaqueline Bueno


Agora percebo que o fim é imaginário, ele não existe. A vida é puro movimento, ela cíclica, apesar de efêmera. Quando penso que estou terminando algo, começo tudo de novo. Apenas a maneira, a forma e o cheiro são diferentes. Mas o movimento e a energia depositada na ação continuam iguais, intactos.


Aos 17, fui em busca de um tesouro perdido e caí lá pelas bandas do litoral paulista. Durante o primeiro mês, fui de ponta a ponta da cidade de Santos: a pé, de bicicleta alugada, de ônibus, com tênis, sem ele, perdida, achada, triste, ansiosa, animada ou não. Tudo devido a um despejo de umas pessoas que eu havia conhecido há poucos dias. Fui com elas. Paramos em São Vicente, primeiro ponto dos descobridores do Brasil, e foi dali que tentei partir novamente.


Quatro meses. Um tempo para se descobrir que temos certas alergias que, na sua cidade natal, jamais imaginara ter. Uns medos que antes nunca fizeram o sangue percorrer pelo corpo com tanta intensidade. Uma angústia desprezada pelos sorrisos dos amigos que deixei.


Lá tudo enferrujava, eu enferrujei. Com a chuva, um legítimo vendaval que faz o barquinho rodopiar dentro do mar, as palmeiras entortarem ao ponto das folhas tocarem o asfalto, como a vara de condão da fada madrinha ao dar o vestido novo para a Cinderela e há sempre a tal meia noite - , como nos contos, a magia acabou e a realidade veio à tona.


Embaixo de um ponto de ônibus, de guarda-chuva fechado nas mãos, porque se abrisse o perderia em segundos, senti o meu corpo mudar e pude pela primeira vez observar a sensação em cada parte dele.


Em seguida, olhando pelo vidro do ônibus, as gotas de chuva escorriam junto com as minhas lágrimas. Cheguei ao outro extremo, desci e fui até a porta do apartamento em êxtase, sem enxergar ponto algum. Aquela foi uma das piores noites da minha vida.


O relógio fazia um tic-tac infernal. Contei cada segundo com o toque daquele despertador. Sentada na cama. Chorando. Às seis horas da manhã, exatamente, passei as mãos pelo rosto. Desci do terceiro andar sem um tostão no bolso.


Alguns metros a frente vi a primeira pessoa da manhã chuvosa, era o dono da banca de jornal localizada na Avenida principal. Ele se incomodou e perguntou o que acontecia; estava sem condições nenhuma de lhe dar uma resposta, mesmo assim o homem insistiu. A resposta foi “Preciso falar com a minha família”. O maior presente que eu poderia ganhar naquele dia: um cartão telefônico, novinho, de 20 unidades.


Caminhei até o telefone público, passando pelo meu prédio, pela rua da feira, pela ferrovia e, desejava que estivesse em funcionamento para me levar de volta, pela padaria. Disquei os números por instinto e bastou um primeiro “alô” que desabei novamente junto com a chuva torrencial.


As nuances da minha vida não pararam por aí. Voltei para casa, para o meu lar e fui recebida sutilmente pelas pessoas que acreditaram na minha partida e esperavam um retorno mais alegre, mas infelizmente, como dizem por aí, a “juventude é uma caixinha de surpresas”.


Aos 18, entrei na graduação com a certeza de que poderia mudar o mundo por meio das palavras. Ilusão. Ingenuidade. Agora, aos 22, continuo a valorizar o movimento, o ciclo e, principalmente, a relação de todas as coisas pelas quais passei e ainda passo. São intrínsecas, não se separam, estão ligadas na mesma frequência, talvez não ao mesmo tempo, mas sempre juntas. Cazuza dizia “o tempo não pára” e eu completo, “a vida também não”.


Por isso, decide transformar os meus dias e as pessoas que passam por eles. Boas ou não. Gentis ou não. Velhas, novas ou usadas. E fazer da quimera o real. Do intangível, o palpável. Esta é uma parte da minha vida que continua no mesmo ritmo de quando resolvi, pela primeira vez, me mexer e tentei descobrir o que é e qual é a minha realidade.


*Publicado em dezembro de 2009.

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