19/04/2010

João sem o pé de feijão


Por Jaqueline Bueno


Tarde de sol, banho de mar, um barquinho para passear. Garoto, acompanhado de seus cinco irmãos, mãe e pai. Na praia pela primeira e única vez. O dia foi bom, a noite serena, apesar de narizes e bochechas vermelhos queimados pelos raios ultravioletas, mais o sal da água.


Barracas espalhadas pela areia, pessoas por todo lado, gritam, riem, brindam. Os ponteiros do relógio correm, depois vem o sono, o bocejo e mais sonhos durante uma noite que parece passar em segundos.


Acordado, o garoto olha para os lados, mexe os pés e volta a ouvir o mesmo barulho do dia anterior. Esfrega os olhos para ver melhor; jornais ao seu redor colocam-no de volta a sua real condição.


Medo. Vira de lado e enxerga a parede do prédio de 15 andares. Seu travesseiro: um monte de latinhas deixado pelos turistas e banhistas.


João perdeu a família numa manhã depois de noite de lua cheia. Entraram em sua casa, depois no cômodo onde dormiam seus irmãos e ele, levaram todas as roupas e trancaram a porta pelo lado de fora. Eles foram acordados com os gritos da mãe abafados pelo concreto que dividia um quarto do outro e , ao mesmo tempo, um silêncio profundo, sem uma reposta do pai. Mais dois disparos, um deles atravessou a parede de tijolos e passou pelo quarto onde os meninos estavam.


Sozinhos naquela cidade, João e seus cinco irmãos saíram pela pequena janela e vagaram. Com o tempo, foram-se perdendo e a relação ficou difícil por falta de comida, carinho, educação, diversão. E naquele dia, embaixo do prédio com vista para o mar, João sentiu seu estômago doer e percebeu mais uma vez a falta de casa, de comida e do bichinho de estimação, o Toby, que sempre sonhou ter.


*Publicado em agosto de 2009.

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